sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

O que vem por aí

  • Um mendigo me ensina a ser igual
  • Igualar-se: o que os índios nos ensinam (título provisório)
  • As relações (familiares) são um sistema (título provisório)

Atualizado +- todo domingo.

sábado, 10 de janeiro de 2009

O satsanga que eu vivi

O guru Swami Sivananda Maharaj, fundador da Divine Life's Society (ou Sociedade da Vida Divina), assim definiu o satsanga: "Satsanga, ou associação com os sábios, remove a escuridão do coração, conduz você ao caminho certo e faz surgir o sol da sabedoria, brilhando em seu coração. Satsanga é associação com o sábio. Viva na companhia dos sábios, santos, Sadhus, Yogis e Sannyasis; ouça seus valiosos Upadesa, ou instruções, e as siga implicitamente. Isto é Satsanga." (extraído de http://www.gita.ddns.com.br/vidadivina/satsang.php)
O satsanga de que participei, na Escola da Rainha, em julho de 2008, proporcionou-me um pequeno lampejo dessa experiência. Claro, na Escola da Rainha -- um centro eclético de estudos da supraconsciência, face social e local de estudos mantida pelo Reino do Sol, uma igreja do Santo Daime -- não se trata de um evento tradicional, do ponto de vista da forma e da base doutrinária que, suponho, balizem tais reuniões nos ashrams. Não obstante, o satsanga que eu vivi ensinou-me muito.
Grosso modo, trata-se de uma roda de conversa. A pessoa na função de conduzir o diálogo leva um tema e explana sobre ele por alguns minutos. Então, outra pessoa pode falar; em seguida, outra; e outra, e outra, e assim por diante, por um período determinado ou até que o condutor considere a sessão suficiente.
À primeira vista, pode soar como uma reunião para falar. Na verdade, porém, trata-se de uma reunião para aprender a ouvir. Desaprendemos a ouvir, e, muitas vezes, achamos que estamos ouvindo, mas não estamos: ficamos agarrados a nossas opiniões pessoais, em torvelinho mental, e não deixamos as palavras do outro entrar em nós. Porque ouvir é isso: deixar entrar. Quando deixamos o que o outro falou entrar dentro de nós, através de nossos ouvidos, aquele teor percorre todo um caminho em nosso interior, gerando sensações, sentimentos, associações. Quando domamos o ego para que ele não barre esse processo, aprendemos a ouvir. Esse estado é muito precioso e muito difícil de se ver cultivado entre os homens hoje. Pelo menos, nas culturas que conheci.
Muitas vezes, vamos muito longe atrás de conhecimento -- à Índia, por exemplo -- e, freqüentemente, não sabemos o que estamos buscando. Quando reaprendemos a ouvir e fazemos esse exercício, podemos descobrir que o conhecimento que preocurávamos estava muito perto, numa pessoa ao lado, a quem sequer nos dávamos ao trabalho de conhecer.
Quando se está num satsanga, quem dispõe-se ao turno da fala deve considerar se o que dirá pode servir ao esforço coletivo de construção de um conhecimento ou se é simples fruto de um impulso egóico de tomar o primeiro plano, de promover um envaidecimento pessoal, imputar-se autoridade ou suplicar aprovação. Se a balança da justiça interna pender para o primeiro caso, fala-se; caso contrário, cala-se e mantém-se ouvindo.
Quando esse senso é alcançado coletivamente, todos podem nos servir de mestre em algum assunto, e vice-versa. Ao nos darmos conta disso, de que somos mestres uns dos outros, entendemos o que é o respeito, pois passamos a ter, todos, a mesma estatura.
Nós, o tempo todo, nos sentimentos superiores ou inferiores aos outros ou às coisas, raramente iguais. Na rua, na escola, no trabalho ou em casa, nos comparamos a todo momento, sempre para melhor ou pior: sou mais feio do que o ator da novela, sou mais rico do que o mendigo, sou menos inteligente do que este ou aquele. Com isso, geralmente, nos sentimos ou humilhados, ou assoberbados, e podemos até mesmo adoecer ou definir o curso de nossas vidas subjugados a esses sentimentos.
Com o satsanga, aprendemos o exercício da igualdade; e o exercício da igualdade nos revela o sentido do respeito. Olhando para trás, em minha vida, hoje vejo o quanto não soube respeitar, pois sequer havia me dado conta do sentido profundo do respeito. Agora, sei que cada desconhecido que cruzo nas ruas pode me ensinar alguma coisa, assim como eu a ele, e devo respeitá-lo profundamente.
O aprendizado do respeito pela igualdade nos revela a justiça: sentindo-me igual ao outro e respeitando-o, sinto-me justo, nas variadas acepções da palavra: justo com o outro, justo comigo mesmo, justo em mim mesmo, dentro deste corpo-mente em que habita meu espírito encarnado.
Um coletivo em que todos sintam no coração essa justiça torna-se uma sociedade justa. E, afinal, o que é uma sociedade, em seu projeto latente, senão um coletivo em que todos se sentem justos, porque se respeitam; se respeitam, porque se sentem iguais; se sentem iguais, porque aprenderam a ouvir e a ter voz quando necessitam dizer?
O satsanga que eu vivi despertou, em mim, esse conhecimento adormecido. Fez-me imaginar, em minhas referências ocidentais, supostos gregos que, sob a sombra de uma árvore, exercitavam o silêncio, pelo tempo que fosse necessário para a egrégora se implantar. Alcançado o silêncio equilibrador das energias, um falava e ouvia-se; falava outro e ouvia-se; e assim se aprendia a formar uma sociedade.
Uma escola que educasse para a formação de uma sociedade deveria proporcionar esse tipo de experiência, para que não nos esquecêssemos de certo sentido da vida que, apreendido, facilitaria e nos aproximaria do sentimento de amor pelo próximo.